Como forma de comprometimento com a luta antirracista, 21 de março foi instituído pela Organição da Nações Unidas (ONU), em 1966, como o Dia Internacional Contra à Discriminação Racial, em alusão ao protesto de 20 mil manifestantes em Johanesburgo, na África do Sul, em 1960, contra o apartheid. À época, centenas de pessoas foram feridas e 69 mortas pelo exército.
Uma ferida ainda aberta na sociedade brasileira, a discriminação racial representa qualquer tipo de exclusão ou distinção baseada na raça, cor ou origem étnica. Para a superação desse tipo de violência é fundamental que as instituições estejam comprometidas com a garantia de políticas de ações afirmativas para negros/as e indígenas. É nesse sentido que atua a Coordenadoria Antirracista, órgão da Prefeitura Municipal de Belém (PMB).
A Coordenadora Elza Fátima Rodrigues, explica que “na perspectiva do racismo estrutural existem grupos raciais superiores a outros. Todas as relações em distintos âmbitos da sociedade brasileira perpassam pela questão da raça, cor e do fenótipo". Nesse cabo de guerra, são as populações negras e indígenas que sofrem as maiores desassistências nas instituições públicas e privadas.
Como exemplo, a coordenadora cita um dado assustador: mães negras recebem menos anestesias no serviço de saúde que mulheres brancas. Segundo uma pesquisa da Fiocruz, que resultou no artigo “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil”, mulheres negras têm 50% mais chances de não receber anestesia na hora do parto e serem as maiores vítimas da violência obstétrica. Além da saúde, a desigualdade racial afeta a vida da população negra em vários outros âmbitos sociais, como educação, moradia, segurança pública, e outras.
Luta indígena – É fundamental também compreender que a população indígena é vítima do racismo. “Nossos parentes sofrem com o racismo estrutural. E esse espaço que foi aberto é fundamental para que a gente possa combater isso. É importante ter esse espaço, fortalecer a luta, propor uma educação digna, saúde e cobrar as melhorias para o nosso povo”, comenta Geomara Tembé, liderança indígena e coordenadora adjunta da Coordenadoria Antirracista.
Marcas da discriminação – Neusa Santos, psicanalista brasileira, afirmou que saber-se negra/o é “viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetidas às exigências, compelida às expectativas alienadas. Mas é também e, sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades”.
Essas experiências de dor provocadas pela discriminação deixam marcas muitas vezes irrecuperáveis no psicológico dos sujeitos não brancos, como aponta a psicóloga e integrante da Comissão de Relações Raciais do Conselho Regional de Psicologia (CRP10), Lorena Cunha.
“Uma pessoa negra desde que nasce é submetida aos modelos de idealização da branquitude, que marcam ideais de trabalho, de relacionamento, de beleza. Por exemplo, o cabelo crespo é apontado como feio e tudo que é relacionado ao negro é inferior e isso afeta a saúde mental do sujeito negro”.
Segundo ela, a comissão de Relações Raciais busca orientar os profissionais e acadêmicos de psicologia sobre a importância de identificar o racismo presente nas subjetividades humanas e perceber de que forma o racismo estrutural é fonte do sofrimento psíquico.
Resistência – A Produtora Negritar é mais um exemplo de organização que tem na sua centralidade as pautas raciais. A coordenadora de projetos do grupo, Natália Cruz, explica que o objetivo é promover eventos com enfoque na população periférica, ribeirinha e negra. Um deles é o Telas em Movimento, que atua na democratização do cinema em zonas periféricas e das ilhas.
"Buscamos exaltar produções feitas por pessoas negras e fazer produções para esse público, capacitando profissionais que poderiam enveredar para outro caminho por falta de oportunidade”, informa.
Frente Negra Brasileira, Teatro Experimental do Negro, Movimento Negro Unificado, Centro de Estudos e Defesa do Negro (Cedenpa). Todos esses grupos são sustentáculos do Movimento Negro Brasileiro e foram protagonistas de avanços importantes da luta antirracista, como sistema de cotas nas universidades, criminalização do racismo e titulação das terras quilombolas.
Quem conhece bem essa história é Elza Rodrigues, a Elzinha, militante “histórica” do Cedenpa e indicada para liderar o desafio da Coordenadoria Antirracista de Belém. Ela entende a importância da construção de espaços de denúncia, vigilância e valorização da cultura negra como um dos caminhos possíveis da luta para a eliminação da discriminação racial, que afeta a vida todos e todas.
Como bem diz Anielle Franco, que junto à irmã Marielle Franco, transformaram-se referências em lutas antirraciais no Rio de Janeiro e no Brasil, fica a mensagem para reflexão: "Nossos passos vêm de longe. Nossa dor carrega nossa marca. Nossa ancestralidade é sinônimo de luta”.
Texto: Raissa Lennon