Karatê muda a vida de jovens nas ilhas de Belém

Em Outeiro e região das ilhas de Belém, o karatê, arte marcial original do Japão, vem transformando a vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. O projeto Shizen Fumbosque Karatê-Dô é desenvolvido na sede e polos da Escola Bosque desde abril de 2013, com a proposta inicial de disciplinar alunos em situação de evasão escolar e com baixo rendimento nas aulas, além de atender jovens da comunidade em situação de risco.

Em pouco tempo, a iniciativa conquistou o respeito de seus 52 alunos, refletindo inclusive nos resultados das competições. Até agora, os atletas, que são inscritos também na Federação Paraense de Karatê, conquistaram 216 medalhas e três títulos entre campeonatos paraenses e brasileiros.

Pâmela Jaqueline Fonseca Piedade tem 14 anos, cursa a 8ª série na Escola Bosque e está no projeto desde o seu início. Hoje, dona de uma faixa azul escura (a terceira de uma sequência de seis) e com 12 medalhas, ela é um dos exemplos da mudança que o projeto vem realizando. Com histórico de notas baixas, falta de atenção nas aulas e pouco interesse nos estudos, a adolescente acredita que se tornou uma pessoa melhor por causa do esporte.

“Logo no início, entrei no projeto só para me divertir, mas, com o tempo, comecei a gostar. Percebi mudança em mim não só no karatê, mas também em casa e na escola. Me tornei uma pessoa melhor. Antes, eu não ligava para nada e hoje dou importância a várias coisas, como o estudo e minha família. Meus amigos acham legal e os meus pais também dizem que estou no caminho correto. Agora, estou me preparando para o meu exame de faixa, que será no mês que vem”, conta a jovem, que diz ter o sonho de se tornar faixa preta e professora de karatê.

O caso de Paulo Márcio Moraes Brabo Júnior, também de 14 anos, é um pouco diferente. Ele sempre foi excelente aluno na escola e nunca deu trabalho aos pais. O jovem ingressou no projeto por afinidade com o esporte e hoje é considerado o destaque do Shizen Fumbosque Karatê-Dô, com o maior número de conquistas.

“Meu sonho aqui no projeto é me tornar faixa preta, mas fora do projeto quero estudar Direito. Acho que o projeto e o karatê vão me ajudar a chegar lá, porque aqui aprendemos a respeitar, a obedecer os pais e também ser alguém na vida”, pontua Paulo Márcio.

O adolescente também gosta de falar sobre sua trajetória no projeto. “Antes, eu treinava karatê, mas não valorizava o esporte. Quando chegou o projeto na Escola Bosque, quis participar por impulso apenas. Depois fui gostando, evoluí bastante. Tenho 13 medalhas e a que mais suei para conseguir foi a do Campeonato que aconteceu em Ananindeua (Copa Kunihiko Tosá). Deu muito atleta na minha categoria, que era azul escura, então disputei com pessoas que tinham as faixas azul escura para baixo. Deu muita gente, mas consegui ficar em primeiro lugar”, orgulha-se.

A mãe de Paulo Márcio, a doméstica Luciene Monteiro Costa, de 41 anos, é quem acompanha o filho caçula nos treinos e nas competições. Além disso, ela revela o cuidado que tem com as medalhas e material do jovem atleta.

“Guardo todas as medalhas dentro de uma caixa, cada uma protegida com algodão, e também algumas fotos das competições. Não deixo nem ele pegar para ver as medalhas”, revela. “Estão todas lá (as medalhas), uma do ladinho da outra, protegidas no algodão”, completa.

Sem receio de assumir que é mãe coruja, ela agradece à Escola Bosque pelo projeto e se diz satisfeita com o resultado do empenho do filho. “Saber que meu filho é destaque no projeto me faz ter muito orgulho dele. Qual a mãe não se sentiria assim, principalmente em relação a um filho que não dá trabalho nenhum em casa, nem na escola, nem por onde anda. Com ele, eu fico tranquila e agradeço ao projeto por isso também”, destaca Luciene Costa.

Tradição

O projeto Shizen Fumbosque Karatê-Dô foi implantado e é coordenado por Jeydson Carlos Lima Rodrigues, 25 anos. Formado em Química Industrial, é assistente administrativo da Fundação Escola Bosque e, há 14 anos, dá aulas de karatê. Iniciou no esporte quando tinha apenas quatro anos de idade, incentivado pelo histórico familiar, que começou com o avô, passou para o pai, e chegou ao filho.

Os fundamentos do karatê, como respeito e disciplina, que aprendeu desde muito cedo, agora são repassados aos seus alunos. “A importância do karatê para as crianças é nós mostrarmos tudo isso, valores que, em muitos casos, se perderam. O karatê exige muito a disciplina física e psicológica. Hoje, para você aprender a dar um chute, levantar a mão para dar um soco, você precisa, acima de tudo, de equilíbrio físico e mental. Isso é o que sempre falo aos meus alunos. Quem tem equilíbrio mental evita conflitos na escola ou na rua”, explica o professor.

Além das aulas que acontecem na sede da Escola Bosque todas as segundas, quartas e sextas-feiras, pela manhã, nos dias de terça e quinta, o trabalho é feito na ilha Faveira, às proximidades de Belém, reunindo crianças e jovens das unidades pedagógicas vinculadas à Escola Bosque. Ao todo, são 152 alunos vindos das ilhas de Cotijuba, Jutuba, Faveira, Jamaci e Seringal, divididos em quatro turmas, com cerca de 30 alunos cada.

“O projeto consegue oportunizar a experiência do karatê para as crianças que não conseguem vir de lá para cá. Isso está sendo uma coisa nova para eles e vejo o desempenho e a garra deles. Todos conseguem assimilar os movimentos muito rápido. E vejo também um desempenho brilhante deles nas competições”, completa Jeydison.

De acordo com a professora Roberta Hage, coordenadora pedagógica geral da Escola Bosque, o projeto é importante para o resgate dos jovens que estão em situação de risco. “Eles possuem uma melhora significativa dentro de sala de aula e por isso vamos dar continuidade ao projeto no ano de 2015. Para nós, é uma vitória levar sementes de coisas boas para dentro da casa e da comunidade dessas crianças e jovens. Temos depoimentos de mães que vêm até nós agradecer pelo projeto, que tem a tarefa de criar indivíduos para a vida”, afirma.

Texto: Dandara de Almeida

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