No próximo dia 20 de junho, o músico paraense Carlos Furtado se apresenta nas proximidades da cidade de Lausanne, na Suíça. O jovem integra a Orquestra de Violoncelistas da Amazônia, que participa de uma turnê internacional abrangendo também a França. “Ele não fala em outra coisa aqui em casa. Fiz muito sacrifício para acompanhá-lo e vê-lo feliz. É uma oportunidade única”, conta a mãe, a funcionária pública Meire Ribeiro.
Segundo Meire, Carlos sempre mostrou ter facilidade com instrumentos musicais mais do que em outras áreas, mas a mãe não sabia como o filho conseguiria estudar música. “Quando ele terminou o ensino médio ficamos sem saber o que ele ia fazer, já que não gostava de muitas disciplinas e tinha dificuldade de aprendizado por causa do autismo. Foi então que conhecemos o projeto Cordas da Amazônia. Ele foi matriculado e terminou o curso”, lembra.
O projeto Cordas da Amazônia é uma iniciativa da Universidade Federal do Pará (UFPA), que promove o ensino da música para crianças e adolescentes, que têm transtornos crônicos como dislexia, déficit de atenção com hiperatividade, autismo e síndrome de Down.
Ao terminar o curso, Carlos foi convidado pelo coordenador geral do projeto, o professor doutor Áureo de Freitas, a integrar a equipe da Orquestra de Violoncelistas da Amazônia. “A música mudou a vida do meu filho. Ele gosta e se dedica. Não sabe fazer outra coisa nessa vida”, compartilha a mãe.
Odinéia Santos também vive a expectativa da viagem do filho Roberto Santos. O músico também é portador de autismo. Diferente de Carlos, ele teve um diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro do Autismo. “Foram 20 anos sem saber o que ele tinha. Fomos a muitos médicos, mas nenhum diagnóstico preciso. Mesmo assim ele foi se desenvolvendo sempre com a ajuda da música. Aprendeu a tocar vários instrumentos e hoje se dedica ao violoncelo graças ao curso e a oportunidade que foi dada”, relata.
Para o professor Áureo de Freitas, muito ainda precisa ser feito para chamar a atenção da sociedade sobre como oferecer o apoio necessário aos portadores de autismo “A sensação que tenho é que esta é uma luta que está apenas começando. É difícil, mas possível. É maravilhoso tê-los na equipe”, reforça. “A música sem dúvida trouxe muitos benefícios e os dois, inclusive, são alvo de estudos científicos sobre isso”, ressalta o professor, Ph.D em Educação Musical pela University of South Carolina.
A Orquestra de Violoncelistas da Amazônia foi criada em 1998, pelo professor doutor Áureo de Freitas e é a única orquestra profissional de violoncelistas com músicos na categoria juvenil em todo o Brasil. Durante seus 16 anos de atividades ganhou reconhecimento nacional e internacional. A turnê de exibição pela Europa vai até o dia 13 de julho e tem o apoio da Prefeitura de Belém.
“Tocar exige coordenação, postura, atenção, e disciplina. A música é uma terapia. O Roberto ama o que faz. Você percebe a alegria dele através do sorriso. Além de tocar ele tem contato com as pessoas e isso é muito importante. Acho que o pessoal da orquestra não tem noção do quanto ajudam meu filho. É uma nova vida. O que eu quero é que ele esteja inserido na realidade que vivemos”, afirma Odinéia Santos.
Transtorno do Espectro do Autismo.
O autismo é um transtorno global do desenvolvimento marcado por pelo menos três características fundamentais: incapacidade para interagir socialmente, dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se e um padrão de comportamento restritivo e repetitivo. Segundo especialistas, os sintomas do autismo podem aparecer nos primeiros meses de vida, mas dificilmente são identificados precocemente. O mais comum é os sinais ficarem evidentes antes de a criança completar três anos. A tendência atual é admitir a existência de múltiplas causas para o autismo, entre eles, fatores genéticos e biológicos.
O tratamento para este distúrbio crônico deve ser introduzido tão logo seja feito o diagnóstico. Existem inúmeras terapias que prometem um bom resultado. O espectro do autismo abrange desde pessoas que não conseguem falar, aos dotados de habilidades geniais. A aplicação do esquema de tratamento deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar geralmente composta por especialistas em fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia e fisioterapia. Além de psiquiatras e neuropediatras familiarizados com o problema.
Nesta quinta-feira, 18, é lembrado o Dia do Orgulho Autista. A data foi uma iniciativa da instituição americana Aspies for Freedom, que luta pelos direitos civis dos autistas e mantém um site com fóruns sobre o transtorno do autismo e os demais transtornos de espectros autistas. A data busca estimular o orgulho do autista de ser como é, e conscientizar a sociedade a não tentar enquadrá-lo no que considera como normal, mas sim aceitá-lo por completo com todas as suas particularidades.
A Prefeitura de Belém oferece atendimento aos portadores do transtorno de desenvolvimento e suas famílias, em três esferas: saúde, educação e assistência social. Desde 2012, uma lei federal determina que o transtorno receba o mesmo atendimento destinado a pessoas com outros tipos de deficiência. De acordo com o Censo de 2010 realizado pelo IBGE, 15.679 pessoas possuem deficiência mental ou intelectual em Belém, o que inclui pessoas com autismo.
Em Belém, 154 alunos diagnosticados são atendidos pelo Centro de Referência em Inclusão Educacional Gabriel Lima Mendes, vinculado à Secretaria Municipal de Educação. Recentemente o Programa de Atendimento às Necessidades Específicas Decorrentes dos Transtornos do Espectro do Autismo, Proatea, foi criado para realizar ações específicas para o público e aproximar a família e a comunidade escolar, visto a importância de ambos para o desenvolvimento do aluno.
Wallace Martins, 10, possui o grau mais leve do autismo, a síndrome de Asperger, e estuda na Escola Municipal Ernestina Rodrigues. Além de frequentar as aulas assiduamente, o aluno participa do grupo de poesia Trovadores da Alegria que realiza apresentações internas e em vários eventos. A sua última participação foi durante a XIX Feira Pan-Amazônia do livro. Para a sua mãe, é muito gratificante, ainda que existam algumas dificuldades, ter um filho autista. “Descobri que meu filho tinha a síndrome aos dois anos de idade, foi susto, mas hoje eu não me imagino sem ele. Existe um respeito muito grande por ele na escola, ele participa de tudo, o desenvolvimento dele é excelente, isso me deixa muito feliz. O que falta ainda é a sociedade ter esta compreensão e respeito”, disse a Adriana Martins, mãe de Wallace.
Além das atividades do programa, os estudantes frequentam as aulas regulares desde as turmas iniciais até a Educação de Jovens e Adultos e duas a três vezes por semana recebem o Atendimento Educacional Especializado nas salas de recursos multifuncionais com fonoaudiólogos, psicopedagogos e outros profissionais, a fim de aprimorar suas habilidades, respeitando sempre o limite individual.
Texto: Denise Soares