Escola da Pesca conjuga ensino regular com educação profissional nas áreas de Pesca e Aquicultura

Uma das principais dificuldades enfrentadas pela indústria da pesca no Pará é a carência de mão de obra especializada, tanto na captura das espécies quanto nas diversas funções que podem ser exercidas dentro da linha de produção de uma empresa, o que, para o presidente do Sindicato das Indústrias de Pesca dos Estados do Pará e Amapá (Sinpesca) e do Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conepe), Armando Burle, é um paradoxo.

Segundo ele, a formação desse tipo de mão de obra é bem mais barata e fácil do que a que serve a outros tipos de segmentos da indústria, mas pouco tem sido o interesse nesse sentido. “Formar um profissional para indústria da pesca é cinco vezes mais barato do que formar um trabalhador para uma montadora, por exemplo”, cita.

Seguindo na contramão dessa lógica e enxergando o potencial do nosso Estado – o Pará está entre os maiores produtores de pescado do País (é o segundo do ranking, atrás apenas de Santa Catarina, segundo a última estatística publicada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, com dados relativos ao ano de 2011) –, a Prefeitura de Belém criou e mantém, desde 2008, uma instituição de ensino que visa justamente formar mão de obra específica para essa atividade.

É a Escola de Ensino Fundamental e Médio “Casa Escola da Pesca”, vinculada à Fundação Escola Bosque,localizada na ilha de Outeiro, distrito da capital paraense. A instituição oferece a chamada Educação de Jovens e Adultos (EJA) – modalidade destinada aos jovens e adultos que não tiveram acesso ou não concluíram os estudos nos Ensinos Fundamental e Médio – integrada à educação profissional.

De acordo com a diretora da escola, Fátima Seabra, na “Casa Escola da Pesca” pratica-se a chamada Pedagogia da Alternância, que mescla períodos de internato dos alunos no colégio com outros em casa. Assim, os estudantes – em sua maioria filhos de ribeirinhos que vivem nas ilhas localizadas ao redor de Belém – passam 15 dias integralmente na instituição e, no restante do mês, voltam para as suas residências, onde aplicam os conhecimentos aprendidos em sala de aula.

Durante o tempo em que estão na escola, os alunos estudam em regime integral. Pela própria natureza da Pedagogia da Alternância, o currículo foi organizado em quinzenas, diferentemente do que acontece em uma escola regular. Assim, a cada 15 dias, é trabalhado um eixo dentro da temática da Pesca e Aquicultura. “Mesmo as disciplinas da base comum dos Ensinos Fundamental e Médio tratam daquele foco, daquele eixo”, reitera Fátima.

O aluno que termina o Ensino Fundamental na escola recebe também um certificado de qualificação em Pesca e Aquicultura. Já o egresso do Ensino Médio sai como técnico em Recursos Pesqueiros. “Na parte da qualificação profissional, os alunos aprendem, por exemplo, práticas de higiene, como fazer o beneficiamento do pescado, fundamentais para o trabalho na indústria, e, também, como criar peixes em cativeiro, por isso temos dois viveiros pedagógicos aqui. Além disso, eles são treinados em práticas sustentáveis, respeito às leis ambientais e vivência em comunidade”, completa a diretora, acrescentando que todos os alunos passam por estágios supervisionados obrigatórios.

Oportunidades

É nessa hora que muitos deles começam a garantir um lugar no mercado de trabalho. Diversas indústrias já são parceiras da “Casa Escola da Pesca” e, além de oferecer o espaço para os estágios, elas também doam a matéria-prima que é utilizada nas aulas práticas dos futuros profissionais. De acordo com a engenheira de pesca e professora do laboratório de práticas de beneficiamento e processamento do pescado da escola, Vera Araújo, as atividades ali desenvolvidas com os alunos dependem muito dessas doações.

“As práticas são estabelecidas a partir das doações de matéria-prima, por isso as mesmas são fundamentais para o desenvolvimento das habilidades dos alunos. A gente costuma dizer que todos têm que sair daqui com pelo menos uma habilidade prática bem estabelecida, seja em filetar o pescado, elaborar subprodutos (como hambúrguer, linguiça e defumados) ou mesmo criar peixes em cativeiro”, enfatiza.

As doações das empresas parceiras se somam aos esforços da Prefeitura de Belém para manter a escola, que hoje conta com 90 alunos. Eles recebem, durante o período das aulas, todas as refeições, uniformes e alojamentos. Mesmo quando voltam para casa, os estudantes são assistidos pelos professores, que se deslocam pessoalmente até as casas dos jovens para acompanhar a evolução dos estudos.

Não há notícias de uma outra instituição de ensino que funcione nesses moldes no País. “Essa Escola é uma iniciativa maravilhosa porque se trata de uma estrutura barata, que tem um custo operacional relativamente baixo e que dá um retorno muito grande para a sociedade. Como já dissemos, a mão de obra para a indústria da pesca é fácil de formar, não requer grandes investimentos e a indústria gera muitas oportunidades”, destaca o presidente do Sinpesca e do Conepe, Armando Burle.

A Outeiro Pescados, localizada às proximidades da escola, é uma das indústrias que acreditam nesse trabalho. Com pouco tempo de mercado – ela foi fundada no início deste ano – presegue o crescimento e, para isso, pretende contar com a mão de obra oriunda da instituição. “Hoje, estamos trabalhando apenas com o beneficiamento do pescado, mas queremos galgar outras posições, chegar a elaborar subprodutos do pescado. Temos, atualmente, uma produção de cinco mil toneladas diárias de pescado, ou seja, é uma indústria enxuta, mas com grande plano de crescimento, de expansão, o que, certamente, abrirá muitas oportunidades para a mão de obra local. Todos só têm a ganhar com isso”, acredita o gestor de qualidade da empresa, Otávio Damasceno.

A Amazônia Indústrias Alimentícias S/A (Amasa), sediada no bairro da Pratinha, compartilha desse pensamento. A empresa, com 35 anos de mercado, já contratou técnicos formados pela escola. No local, o trabalho é voltado especialmente ao beneficiamento do camarão rosa, em sua maior parte exportado para o mercado japonês. A previsão é que, até o final do ano, a Amasa tenha processado em torno de mil toneladas de camarão. “Depois de capturado, o camarão é descabeçado e congelado na própria embarcação. Na indústria, classificamos por tamanho, separamos as diferentes qualidades para cada mercado e descascamos o camarão”, informa o engenheiro de pesca e gerente de produção da empresa, Victor Soares.

Ele conta que a Amasa está fechando uma parceria com a “Casa Escola da Pesca” para o estabelecimento do Programa Jovem Aprendiz. “Hoje, na Amasa, os aprendizes estão atuando na parte administrativa e nós queremos que eles estejam também na linha de produção. A ideia é que eles possam vir a ser contratados, até porque a tendência é aumentar a produção da empresa. Para se ter uma ideia, hoje temos capacidade para produzir 30 toneladas de pescado, mas estamos trabalhando com apenas seis, então, há probabilidade de expandiros essa linha e, para isso, vamos precisar de mão de obra treinada, específica”, anuncia.

Futuro

Leonardo Moreira Sanches, de 16 anos, mora na ilha de Cotijuba e está concluindo o Ensino Fundamental pela escola. Além de pretender continuar e seguir para o Ensino Médio, ele já pensa em melhorar as condições de vida da família a partir do conhecimento adquirido na instituição. “Eu já tinha uma noção de pesca porque a minha família vive disso, mas aqui aprendi muitas coisas novas. Por exemplo, os nomes científicos das espécies e como cortar e cuidar dos peixes. Como meus familiares têm um viveiro, quero continuar esse trabalho”, explica.

Para ele, além da qualificação profissional, a “Casa Escola da Pesca” também representa uma grande oportunidade para todos aqueles que querem continuar a estudar mas não têm condições. “Como é difícil para muitos ribeirinhos virem para Belém estudar, a maioria acaba desistindo. No caso da escola, por causa da Alternância, facilita muito”, opina.

A mesma ideia tem o pescador Adrielson Melo, de 25 anos. Ele mudou-se recentemente para Outeiro apenas para estar mais próximo da escola. Lembra que conheceu a instituição por meio de um parente, que indicou a ele um curso no local. Ao chegar lá, foi apresentado à proposta da escola e decidiu abraçar a oportunidade. “Gostei primeiramente porque seria uma chance de voltar a estudar, já que eu estava parado há mais de três anos e não tinha perspectiva de recomeçar. Como sou adulto e preciso trabalhar, não conseguia conciliar a atividade de pescador com os estudos, mas, aqui, com as aulas quinzenais, fica mais fácil. Já me vejo no futuro como um técnico da área de Aquicultura e, mais para frente, pretendo me tornar um engenheiro de pesca e contribuir não só para o Pará, mas para o Brasil”, planeja.

Texto: Elck Oliveira

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