"Laços" destaca diversidade da gastronomia paraense

Como está na música “Fado Tropical”, de Chico Buarque, nos dias 7 e 8 de junho Belém vai se tornar “um imenso Portugal” em evento que vai enfatizar as relações entre o Pará e Portugal, em especial na área da gastronomia. Nesses dois dias, a Prefeitura de Belém promoverá o evento “Laços – Belém-Portugal”, que terá a presença de chefs de cozinha da capital paraense e do país amigo e participação da cantora Fafá de Belém, celebrando as boas relações entre esses dois lugares.

A capital paraense vai respirar ares portugueses nesses dois dias, com várias atrações que, em sua grande maioria, serão abertas ao público gratuitamente. O projeto “Laços” dá continuidade às ações do programa Cidades Criativas da Gastronomia, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que declarou Belém como Cidade Criativa da Gastronomia em 2015.

O dia 8, uma sexta-feira, terá atividades abertas ao público e gratuitas. Das 9 às 16 horas, haverá exposições, debates e recital de poesias, na Estação das Docas; e a partir das 17 horas, Festival Gastronômico, ao ar livre, em barraquinhas no entorno da praça Frei Caetano Brandão, na Cidade Velha.

Influências – Considerada uma das culinárias mais brasileiras do país, a gastronomia do Pará apresenta a cultura indígena como sua maior influência, mas carrega também traços portugueses e africanos.

Os elementos encontrados na Região Amazônica formam a base dos pratos locais, com foco especial nos peixes de rio, no camarão, no caranguejo, no pato, mas com o tempero especial das ervas, folhas e frutas nativas. Entre as frutas, o destaque fica com o açaí, a bacaba, o cupuaçu, a castanha-do-pará, o bacuri, a pupunha, o tucumã, o muruci, o piquiá e o taperebá, e ainda a pimenta de cheiro e ervas como chicória e alfavaca.

Um estudo do Ministério do Turismo (MTur), realizado em 2016, revelou que Belém despontava como o destino brasileiro mais bem avaliado pelos turistas estrangeiros. De acordo com a pesquisa, a gastronomia brasileira recebeu nota máxima de 95,4% dos visitantes internacionais, mas a de Belém chegou ao topo, com 99,2% de aprovação.

Festival – Para celebrar ainda mais as influências culturais externas na gastronomia paraense, no segundo e último dia do evento Laços, na sexta-feira, 8 de junho, partir das 17 horas, será realizado o Festival Gastronômico, ao ar livre, em barraquinhas no entorno da praça Frei Caetano Brandão, entre as igrejas da Sé e de Santo Alexandre, na Cidade Velha. O acesso ao público é gratuito.

Nos estandes estarão cerca de 30 restaurantes convidados, que irão apresentar pratos de seus cardápios e uma receita extra evocando a influência portuguesa durante o preparo.

Em outro estande ficará o Pavilhão dos Sabores, no qual serão representadas as influências africanas na gastronomia paraense, a cargo do chef Rubão; portuguesa, com a Mercearia Vicente; e indígena, que terá uma tradicional tacacazeira de Belém.

“Essencialmente, o tacacá é a mais original de nossas iguarias. É uma comida indígena em sua origem, sem ter outra influência externa sequer. Mostrar que essa influência indígena passa depois a toda a gastronomia paraense é muito importante dentro do evento como o Laços, que é uma celebração a toda a nossa gastronomia”, avalia Manoel Leite, um dos coordenadores do evento.

Cabocla – Uma influência forte na gastronomia paraense é a que lança mão de elementos indígenas e caboclos. “Uma cozinha que busca sua qualidade nas coisas simples”. É esse o princípio do restaurante Avuado, em Belém, onde todo o processo de preparação do peixe servido começa com esse alimento sendo assado na brasa, aos moldes da cozinha cabocla, no interior do Estado, em especial a da região costeira.

Há várias explicações sobre o que é um “avuado”. A mais comum é sobre os pescadores da costa do Pará, que passam o dia no mar, nos barcos, e comem o peixe assado diretamente sobre brasas, improvisando um fogareiro – o “laqueiro” -, no qual colocam o carvão, que vira brasa. Outra versão dá conta que quando os pescadores iniciam o preparo, eles abrem o peixe em bandas e ele fica parecendo um pássaro.

“Nosso peixe é especial. Só utilizamos o filhote, mas não o compramos aqui por perto, onde as águas são rasas. Nosso peixe vem de uma aldeia indígena, de uma área entre o Pará, o Amazonas e a Venezuela, onde o rio é bem mais profundo. Esse é o diferencial no sabor. Compramos por semana, a quantidade correta e não o congelamos para que ele fique sempre fresquinho”, explica Erick Van, chef e dono do restaurante.

“O único tempero que utilizamos é sal e uma mistura de manteiga e azeite, na hora de colocar na brasa. Só depois de assado é que ele é colocado em caldeiradas, moquecas e outros pratos”, ensina.

Baterista – Erick tem uma trajetória curiosa até se tornar dono do Avuado. Nos anos 80 do século passado, no auge do movimento do rock no Brasil, surgiu em Belém o grupo Mosaico de Ravena, do qual Erick era o baterista. Até chegar ao restaurante foi um longo e bem planejado caminho.

A paixão pela cozinha vem da família de Erick. Uma avó do chef é de Óbidos, na região Oeste do Pará; outra é da Síria. “É uma mistura grande de influências. Cresci vendo comidas serem feitas e fui aprendendo. Aqui, todo o preparo do peixe passa pela minha mão, em um controle rigoroso. Queremos que nosso cliente tenha a sensação de que está comendo um peixe à beira da praia”, diz Erick.

Portuguesa – Também é notória a presença da cozinha portuguesa na gastronomia paraense. A Mercearia Vicente prima por essa influência, e por isso é um dos estabelecimentos convidados pelo evento Laços que estará no Complexo Feliz Lusitânia, no Festival Gastronômico.

“Iniciamos com a padaria em uma homenagem ao meu avô, que veio de Portugal, em 1908. Ele foi dono de uma mercearia em Ananindeua, que ficava à margem da estrada de ferro Belém-Bragança, que foi mantida até 1998, e foi uma referência a quem morava às proximidades e a quem passava por lá, em viagem”, conta Fabrício Vicente Araújo, neto de seu Vicente, dono da antiga mercearia.

Fabrício, aos poucos, foi deixando a carreira de publicitário de lado e junto com a mãe, Glória Araújo, fundou a Vicente. Atualmente, ele é o chef da Mercearia, que vende não somente pães e doces, como também pratos típicos portugueses, alguns deles adaptados à gastronomia paraense, além de vinhos.

Mistura – “A cozinha do Pará segue a tradição portuguesa. Por exemplo, o arroz de pato tem origem portuguesa, mas aqui em Belém acrescentamos o jambu e o tucupi e considero que ficou muito boa essa mistura”, ensina.

Na Mercearia Vicente é possível encontrar os tradicionais pastéis de Belém ou de nata, uma das mais populares especialidades portuguesas, no sabor original, mas também com creme de bacuri. Outra adaptação é no famoso doce queijadinha, que utiliza queijo e leite de coco na receita, mas na Mercearia tem o toque de uma fruta ácida, o cupuaçu. As tradicionais tapas também têm ingredientes amazônicos.

Por outro lado, o prato típico paraense pirarucu de casaca, na Mercearia Vicente ganhou uma versão portuguesa. “A base do prato é o pirarucu, que trocamos pelo bacalhau. Usamos a farinha de mandioca molhada, mas a banana frita é substituída por um purê de banana da terra”, explica Fabrício. “Fizemos esse prato experimentalmente, mas ele fez tanto sucesso que também já entrou em nosso cardápio diário”, complementa.

Serviço:

Evento “Laços – Belém-Portugal”, dias 7 e 8 de junho. No dia 8 (sexta-feira), das 9 às 16 horas, exposições, debates e recital de poesias, na Estação das Docas; a partir das 17 horas, Festival Gastronômico, ao ar livre, em barraquinhas no entorno da praça Frei Caetano Brandão, entre as igrejas da Sé e de Santo Alexandre, na Cidade Velha. Programação gratuita.

Texto: Dedé Mesquita

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