Pássaros juninos encantam em defesa da Amazônia 

Grupos folclóricos mantém tradição secular encenando peças da cultura popular que somente existe no Estado do Pará.

Preservação da floresta, da fauna e a importância da consciência ecológica na defesa da Amazônia foram os temas de destaque na apresentação de pássaros juninos, no primeiro dia da Mostra Cultural 2 do Arraial de Belém, promovida pela Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Semcult). 

Na tarde e noite de sábado, 21, seis grupos se apresentaram no Teatro Gasômetro, do Parque Residência, no bairro de São Brás. Numa narrativa que combina teatro, música e dança, do clássico ao contemporâneo, nobres, plebeus, caboclos, indígenas e mitos encenaram, com pitadas de humor e crítica social, a saga dos pássaros e suas relações com os humanos e a natureza, na realidade amazônica. 

O primeiro a se apresentar, o ponto de cultura Colibri, de São João de Outeiro, da ilha de Caratateua, trouxe para o palco “O Reino Adormecido e a Floresta Encantada”.  

“A peça conta a história do príncipe Ivan, cujo pai é um rei ganancioso, que quer destruir a floresta [lar do Colibri]. O príncipe está tentando evitar que o rei a destrua e conta com a ajuda de fadas, da feiticeira e do povo Caramuru para que ele tenha êxito e a floresta encantada continue existindo”, explica Louriene Ataíde, dramaturga e filha de Laurene, a guardiã do pássaro, uma tradição de família que já dura 54 anos. 

“Eu amo participar. Tô participando desde os meus 9 anos de idade. É uma experiência incrível e eu nem imagino a minha vida sem o Colibri”, exalta Rafaela Bonifácio, 16 anos, que interpreta uma indígena Caramuru. 

Japiim 

Com o tema “A Cura que vem das Matas”, o pássaro Japiim, do bairro Sacramenta, contou a história de um jovem que vive em harmonia com a floresta e seus habitantes, até que seu pai o manda estudar no exterior. Anos depois, retorna casado com uma estrangeira e com ideias mirabolantes para o local. Mas um pedido inusitado da esposa, que quer o Japiim de presente, gera uma grande confusão, problemas para o jovem e uma tragédia para toda a comunidade.  

“Japiim vem com uma pegada um tanto diferente dos outros grupos tradicionais. Os nossos ensaios são nas ruas, nas praças e em lugares abertos e públicos, porque esta é a ideia de fomentar a plateia. O enredo é a valorização da nossa ancestralidade”, explica a guardiã Neire Lopes. 

Um dos diferenciais desse grupo folclórico, existente há oito anos, é a presença de pessoas com deficiência entre os 32 atores e atrizes do elenco. É o caso de Gabriel, 30 anos, que tem síndrome de Down, e de Gideão, 24, com microcefalia, que interpretam guerreiros da Maloca.

Mesmo para quem já atua há vários anos, pisar no palco ainda é como se fosse a primeira vez.  “Eu me sinto bem especial, porque eu já vou fazer quatro anos no Japiim, como porta-pássaro. É muito bom representar e, mesmo às vezes, quando você vai entrar no palco, dá aquele frio na barriga. É bom participar de um grupo de teatro”, diz Ana Alice Rocha, 11 anos, estudante do sexto ano do ensino fundamental. Ela é bisneta de Sulamita Rocha, fundadora do pássaro Bem-te-vi, um dos grupos folclóricos mais tradicionais de Belém. 

Pequeno Guará 

O Ponto de Cultura Pássaro Junino Pequeno Guará apresentou um espetáculo poético sobre a força da natureza, o encanto do folclore e o poder da natureza, reunidos no tema “O Passarinho e os Mistérios da Amazônia. 

“O pequeno Guará é um pássaro que fala muito da preservação da floresta, da flora, da fauna. E esse ano, com o COP 30, [o tema] já ficou mais acrescentado. Então, é o passarinho e os mitos da Amazônia. Porque esse sempre foi o nosso foco”, explica a guardiã Rose Marie Gomes. 

O grupo é bem peculiar e não usa brilho nas roupas, somente penas como adereços e, ao invés de reis, príncipes e princesas, traz os mitos amazônicos como personagens, entre os quais, a Mãe do Mato, que é a guardiã da floresta, o Curupira e a Matinta Perera. 

“O Curupira protege a floresta, afasta os caçadores com as brincadeiras dele. Ele gira a pessoa pra deixar a pessoa tonta, desmaiada. E com as pernas voltadas para trás, ele vai andando para confundir os caçadores, para afastá-los da região”, explica Luiz Miguel, 14 anos, que interpreta o personagem. 

O grupo, que conta com uma base de 32 atores mirim, tem origem no bairro do Jurunas, mas como ponto de cultura, há dois anos se estabeleceu no município de Marituba, na região metropolitana de Belém. 

Tangará  

“Tangará, entre Mitos e Cantos da Floresta” foi o tema do ponto de cultura Pássaro Tangará, destacando a importância da floresta, mitos, lendas e costumes amazônicos. A narrativa se passa em uma fazenda, onde o pássaro de plumagem azul é presenteado à dona da propriedade, como mimo ao santo festejado na localidade. Mas por ser raro e de beleza singular, desperta a cobiça de um caçador malvado. Na defesa do pássaro atuam os seres mágicos amazônicos, como a Iara, Matinta Perera, Curupira e o boto. 

Gabriela Larissa, 16, há um ano no grupo, explica sua personagem: “Eu faço a Matinta. A gente entra em cena para assustar o caçador, para ele não matar o Tangará. Ela defende a natureza amazônica”.   

Rouxinol  

Com um figurino luxuoso, o ponto de cultura Pássaro Rouxinol apresentou a peça “Amazônia, o Pulmão Cobiçado”, composta de nove quadros, escrita pelo mestre e guardião Vanderlei Rodrigues. O grupo é um dos mais antigos de Belém e existe a 118 anos no bairro da Pedreira. 

“A gente vem com esse glamour para abrilhantar cada vez mais a quadra junina”, destacou Rodrigues. 

Cerca de 40 atores e atrizes interpretaram nobres, caboclos ribeirinhos, indígenas e um malvado caçador, que pretende capturar o lindo e mavioso Rouxinol, mas o pássaro é protegido por um anjo de luz. 

Pavão  

O último grupo folclórico a se apresentar, o pássaro junino Pavão trouxe o tema “O Herdeiro Cativo do Reino de Mambwe”, de autoria do guardião Harles Oliveira, filho da mestra Raimunda Oliveira, que fundou a entidade há 40 anos, no bairro Carananduba, na ilha de Mosqueiro. Hoje, a trupe tem sede no conjunto Maguari, em Belém. 

A peça, com forte crítica social, denuncia o tráfico infantil, a escravidão e racismo. A trama inicia na África, onde uma criança negra é arrancada de sua cidade e traficada para o Brasil, mergulhando em um cenário de brutalidade e injustiça. Comprado no mercado de escravos por uma família da nobreza europeia a criança enfrenta a desumanização e o preconceito, tendo sua identidade apagada e sua dignidade sufocada. 

“Mas o destino reserva uma reviravolta surpreendente: longe de ser apenas uma vítima da opressão, essa criança carrega em seu sangue uma linhagem poderosa da realeza Africana. O que parecia ser uma história de dor e submissão torna-se um reencontro com suas origens e sua verdadeira identidade”, afirma Oliveira.  

Público prestigia evento e pede para tradição continuar 

Um bom público prestigiou a primeira noite do Mostra Cultural. A professora de Química, Glória Costa, gostou na apresentação dos pássaros juninos. “Eu gosto de pássaro e eu vim ver e como a diretora do Pássaro Guará falou, não tem incentivo, não tem apoio, é uma tradição que está se acabando. Espero que não acabe. É muito importante que essa cultura continue, que não se apague, principalmente agora”, pontuou Glória. 

A estudante Eduarda Elita, 16 anos, defende a continuidade dessa cultura popular. “Eu acho que é muito importante incentivar as crianças ao teatro. Ter essa representação da nossa cultura e incentivar cada vez mais as crianças”. 

Para o superintendente da Semcult, Aiuá Reis, que prestigiou o evento, essa tradicional cultura popular é própria do Estado do Pará. “As apresentações dos pássaros juninos e dos cordões de bicho são grandes encenações que fazem parte da nossa cultura popular e que são de uma riqueza cultural enorme. Então, é muito importante que a população consiga ver essa manifestação cultural, que é exclusiva do Estado do Pará, que nasceu com a festividade junina daqui do nosso Estado”, recomendou Reis. 

A programação de pássaros e bichos juninos continua neste domingo, 22 no teatro Gasômetro, no Parque Residência, bairro de São Brás, com entrada gratuita, pela manhã e à tarde. 

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