Semec apresenta e discute ações de valorização e compreensão da cultura negra

“Um dos meus alunos estava procurando um lápis na mochila e impaciente derrubou tudo que tinha dentro dela e foi quando caíram os búzios no chão. Pra maioria da turma aquilo não significava nada, mas dois alunos que se entreolharam o chamaram de macumbeiro. Aquilo me impactou bastante e me deixou muito assustada. Nunca tinha passado por uma situação assim em sala de aula”, recorda a professora Fernanda Pires.

Ela é historiadora e tecnóloga em artes visuais, que atua na educação infantil da Escola Municipal de Educação Infantil e Fundamental (EMEIF) Professor Almerindo Trindade, localizada no bairro da Pedreira. A intolerância ocorreu em 2015 numa turma de Jardim II, com crianças de 5 anos de idade da unidade escolar.

A professora Fernanda Pires foi uma das educadoras, que participaram, nesta sexta-feira, 05, da programação alusiva ao mês de novembro da Consciência Negra, promovida pela Secretaria Municipal de Educação (Semec), no salão Paulo Freire, com a mostra do projeto Por dentro das áfricas: por mais consciência negra o ano inteiro – Didáticas interculturais e decolonialidades no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.

Visao iorubá – “Na época estava pesquisando a tradição oral no terreiro do qual faço parte e pensei: por que não transformar esses contos num projeto visual em livros de pano e levar para dentro da sala de aula, para problematizar as situações que envolvem a pauta étnico-racial?, conta a professora que apresentou aos alunos o mundo na visão iorubá, mitos sobre a origem do mundo, a formação da população brasileira, o afrografismo em releituras amazônidas e questões de racismo.

A professora Fernanda Pires promoveu, também, inúmeras ações de valorização, com convidados especiais, como a trancista Nazaré Cruz, ativista do movimento negro, para fortalecer a autoestima das crianças com o reconhecimento da própria identidade, desde a cor da pele, a beleza dos cabelos e até mesmo percebendo os preconceitos de pessoas próximas dela.

A construção da educação étnico-racial em Belém – Esta nova gestão municipal criou em 2021 a Coordenadoria de Educação Para Relações Étnico-Racial (Coderer), uma vez que as leis 10.639/2003 e a 11. 645/2008 determinam que a educação paute, nas escolas, as questões étnico-racial e indígena.

“É inadmissível que ainda se acredite que a nossa história começa com Pedro Alvares Cabral. Vamos estudar a verdadeira história que constitui o nosso país e entregar a quem é de direito essa memória. Nós, educadores, precisamos estudar. É um desafio", desabafa a secretária municipal de Educação, Márcia Bittencourt.

Política educacional antirracista – "Todos têm o direito de se expressar, sejam católicos, umbandistas, evangélicos. A nossa política educacional antirracista deve ser colocada em prática todos os dias e tornar Belém uma cidade alfabetizada, leitora e inclusiva pra todos”, disse a secretária Márcia Bittencourt, que também parabenizou a professora Sinara Dias, que está à frente do trabalho desenvolvido pela Coderer.

A roda de conversa Direito, Psicologia e Racismo contou com a mediação de Elza Fátima Rodrigues, titular da Coordenação Antirracista (Coant), e a participação de Max Costa, membro do Conselho Regional de Psicologia (CRP), e de Peter Paulo Valente, presidente da Comissão da Igualdade Racial, da OAB-Pa. Ambos destacaram a importância da escola no combate à intolerância.

Elza afirmou que os professores são os protagonistas no combate ao racismo e podem influenciar tanto negativamente quanto positivamente na vida dos seus alunos. Max Costa ressaltou que o bullying deve ser expurgado do ambiente educativo e que a inserção de profissionais de psicologia e assistência social nas escolas é uma grande conquista na luta do movimento negro.

Melhor ferramenta – Peter Paulo também reafirmou que a escola é a melhor ferramenta no combate às práticas discriminatórias e tem o poder de transformar vidas. “O professor tem o papel imprescindível de resgatar a história, a cultura africana e indígena. A escola só será verdadeiramente inclusiva quando o professor for antirracista. Não é fácil. Nós avançamos muito, mas precisamos avançar ainda mais. Não podemos retroceder nos direitos”, disse.

A professora Elaine Casseb, da Unidade Pedagógica (UP) Solar do Acalanto, fez uma apresentação cultural com os seus alunos do projeto Heranças africanas: do contexto da história à compreensão, valorização e respeito pela cultura negra.

“Quando a gente está sempre reafirmando com a cultura para as crianças, isso modifica ao dia a dia delas. Esse é o papel da escola. A minha irmã já sabe se posicionar em como ela se identifica”, disse Beatriz Verício, irmã da pequena Maria Júlia Verício, de 6 anos, estudante da UP Solar do Acalanto.

Durante o mês de novembro, a Coderer promoverá diversas ações de conscientização da cultura negra. No próximo dia 11, a Coordenadoria participará da audiência pública, na Câmara Municipal de Belém (CMB), para discutir o tema Vozes negras mudam o mundo: o novembro negro e a luta pela igualdade racial.

Texto: Tábita Oliveira

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