Na contramão do luto de milhares de famílias que perderam um ente querido para a Covid-19, há quem hoje comemore intensamente cada nascer de sol. Depois de dias de internação, entre tubos de oxigênio, salas de UTI, medo e incertezas, eles ganharam novo fôlego. Muitos viram a “cara da morte” e ela estava viva, a cada dor no peito e falta de ar. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), até o dia 15 de março, eram 71.405 pessoas recuperadas da Covid em Belém.
“Uma jornada invencível” – As festas de Natal se aproximavam, no ano passado, quando Williams Silva da Silva, professor de 52 anos, começou a sentir fraqueza, febre e dores musculares. Sete dias depois, em pleno 25 de dezembro, foi internado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), da Sacramenta. No dia seguinte, foi transferido para o Hospital de Retaguarda Dom Vicente Zico, referência municipal no tratamento do novo coronavírus. Apesar da gravidade de seu quadro, ele não chegou a ser intubado, mas ficou quase um mês na sala semi-intensiva do hospital, uma espécie de antessala da UTI.
A avaliação da equipe que o assistiu, entre médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, foi fundamental para que ele não fosse transferido dessa sala e corresse qualquer risco. Quase dois meses depois do que Williams denomina de “uma jornada invencível”, o professor fortaleceu seu lado espiritual e ganhou uma nova visão da vida e das pessoas. A solidariedade foi latente, desde os grupos de oração das mais diversas igrejas do Pará, até de outros estados. Nessa corrente do bem, o professor ganhou vários amigos, com quem conversa até hoje pelos aplicativos de mensagens.
Entre os novos amigos do professor, está o corpo médico do Hospital Dom Vicente Zico. Um fator decisivo para que, hoje, ele possa estar vivo e contar esta história. “Não basta termos bons hospitais, se o atendimento não for humanizado. Isso é tão importante quanto a medicação. Eu vivi isso no Hospital Dom Zico. O compromisso da equipe com os pacientes, o carinho, a dedicação e o profissionalismo de cada servidor foram muito importantes para minha recuperação clínica, física e psicológica”, destaca Williams.
“Eu penso que o SUS, a atenção básica à saúde, seja fundamental para a garantia do direito à saúde para a população, particularmente para a de baixa renda que só tem no serviço público essa oportunidade. Só por meio do SUS é possível garantir a vacina para todos e enfrentar essa doença, garantindo a vida para as pessoas”, reforça Williams.
Quando o SUS é a única e decisiva opção – Em maio de 2020, no início devastador da pandemia em Belém, o servidor púbico Benedito Aldo Ferreira, 50 anos, chegou a ouvir dos médicos que era muito difícil ele conseguir sobreviver.
No início dos sintomas, febre, dor nas costas e hipotemia, Benedito Aldo procurou a emergência do seu plano de saúde, mas elas estavam todas lotadas. O HPSM da 14 de março foi a solução encontrada. Os primeiros cuidados forma feitos e logo a sua pressão foi normalizada. Mas o pulmão de Benedito foi agravando, 75% comprometido. Ele foi intubado no dia 02 de maio, e depois de várias tentativas sem sucesso junto ao seu plano de saúde (mesmo com intervenção do Ministério Público), ele foi transferido para a UTI da Santa Casa.
Benedito Aldo esteve intubado durante 12 longos dias. No dia 14 de maio, ele foi extubado, mas ainda ficou em observação na UTI até o dia 17, quando foi transferido para a enfermaria e assim, pudesse encerrar os antibióticos. No dia 19 de maio, voltou para casa. Mas não era o mesmo Benedito.
Naquele momento vulnerável – “Tive a certeza de que não somos donos de nossas vidas. Que tudo que nos apegamos materialmente, neste plano, não serve para nada quando estamos naquele momento vulnerável, e a única coisa que realmente nós queremos é estar com quem amamos”, desabafa Benedito Aldo.
Ele ganhou um novo olhar sobre a vida, mas perdeu um pouco da resistência física e apresenta lapsos de memória. Mas de uma coisa, Benedito não esquece. “Devo minha vida ao SUS, aos servidores (enfermeiros, médicos, terapeutas, nutricionistas, fono, etc). Como eu, muitas pessoas foram salvas pelo atendimento do SUS. Apesar das milhares de vidas perdidas, se não fosse esse sistema, as perdas já chegariam a milhões. Embora eu possa pagar por um plano de saúde, sempre irei apoiar o SUS”, destaca o servidor.
O ser humano por trás do profissional- Na equipe multiprofissional a quem Benedito Aldo deve a sua recuperação está a psicóloga Alda Valente, 49 anos. Há oito anos, ela presta serviços no HPSM Mário Pinottti.
“No HPSM os pacientes recebem alta médica por melhora ou são transferidos para tratamento em hospital especializado, por conta da necessidade de rotatividade dos leitos, característica dos hospitais de urgência e emergência. Portanto não acompanhei pacientes pós-covid, mas aponto o caso do Benedito Aldo como emblemático. Se o sentimento de desamparo não for contornado, desde o início, e o emocional do paciente permanecer tão instável quanto seu estado geral, a recuperação sempre será mais difícil”, revela a psicóloga.
Sequela psicológica – Uma pesquisa da Universidade de Oxford, no Reino Unido, afirma que um em cada cinco pacientes de Covid desenvolveu alguma sequela psicológica como estresse pós-traumático, síndrome do pânico, transtornos de ansiedade, depressão, fobias e insônia. Ainda existem as sequelas do vírus, como alterações neurológicas, doenças endócrinas e distúrbios imunológicos, que também afetam e trazem sintomas de comprometimento da saúde mental.
Nem os próprios profissionais de saúde, que atuam na linha de frente do combate à Covid, escapam. Alda, por exemplo, está de licença médica por causa do desgaste emocional proporcionado por esta guerra pela vida. Mas a profissional busca refúgio nas lições trazidas. “Esta pandemia trouxe uma sociedade mais solidária, a valorização da vida, da família e amigos, uma melhor preparação espiritual e, sobretudo, a valorização dos profissionais da saúde, da ciência, do SUS.”
“O SUS é reconhecido mundialmente como o mais completo plano de saúde, sua rede de assistência, todos os serviços, e mais recentemente a criação das Unidades de Pronto Atendimento, ajudaram muito, principalmente em meio ao caos imposto pelo Governo Federal. Mesmo com cortes aviltantes de verbas destinadas à saúde e educação, com a "PEC da morte", que congelou em 20 anos os investimentos nas áreas, o SUS salvou e continua salvando muitas vidas, investindo tudo em sua missão de levar assistência em saúde de forma integral, equânime e universal, humanizada e qualificada aos seus usuários”, pontua Alda.
Três histórias de vida pontuadas pela resiliência, mas acima de tudo a esperança na vacina, a única alternativa possível para acordar do pesadelo. E a vacina no Brasil atende pelo nome composto de Sistema Único de Saúde.
Texto: Syanne Neno
 
								 
															 
											 
								 
															 
								 
								 
								