No romance Chove nos Campos de Cachoeira (1941), do escritor paraense Dalcídio Jurandir, a personagem Rosália era vizinha do menino Alfredo. O protagonista marajoara queria estudar em Belém e Rosália germinava a imaginação do garoto. Ela havia trabalhado no Theatro da Paz, e se gabava: "Eu, eu vesti muita artista. Cada roupagem!”. O orgulho não era à toa. Rosália era a camareira do maior teatro do Norte do Brasil, à época.
A obra literária dimensiona o significado do Theatro da Paz para o nortista. Fundado em 15 de fevereiro de 1878, durante o período áureo do Ciclo da Borracha, ele festeja 143 anos mantendo a aura do glamour e magia, mas antenado com a tecnologia.
Revitalização
O teatro de ópera mais antigo do Norte do Brasil está fechado para a segunda etapa de sua revitalização. O Governo do Estado investiu mais de um milhão de reais para trocar todo o telhado do teatro- monumento, comprometido pelas infiltrações. Essa foi apenas a primeira etapa. A segunda, que começou em dezembro do ano passado, prevê a pintura interna e externa, reparos gerais, revitalização do piso e adequação de um espaço que vai se transformar em duas salas de ensaio. Desde 2010, quando recebeu uma pintura, o Theatro da Paz não passava por obras.
Desde maio do ano passado, o TP teve que se recriar por conta da pandemia. Foi criado um canal no You Tube (http://www.youtube.com/c/theatrodapaz_TP) com o “Palco Virtual”. Através das apresentações virtuais, previamente gravadas, de forma profissional e respeitando as normas de segurança com número reduzido de profissionais, o Theatro da Paz ganhou novo fôlego em 2020. Com isso o Theatro manteve toda sua cadeia produtiva, com 85 músicos, intacta e sem demissões. “Precisávamos fazer esses corpos artísticos continuarem com suas produções e fazer a entrega para a população. Havia conteúdo novo de segunda a sábado, desde maio, até o fim do ano”, destaca o diretor do teatro, o músico Daniel Araujo.
E aos domingos ainda havia projetos no Porto Futuro e na Estação Cultural de Icoaraci, onde os músicos da Amazônia Jazz Band e Orquestra Sinfônica, em número reduzido, se apresentavam à população.
O tradicional Festival de Ópera também teve que se adequar ao formato remoto. E a pandemia serviu de estímulo para o aperfeiçoamento. Uma parte dos recursos destinados ao Festival foi destinada à oferta de bolsas de estudos e cursos de formação. Com a criação da escola virtual, foi ampliado de 20 para 80 o número de bolsas de estudo destinadas a todas as pessoas que ficaram desassistidas durante a pandemia.
“Meu sentimento é de gratidão, por neste momento tão difícil ter tido uma equipe que pôde recriar as nossas ações e também levar o Theatro pra fora das paredes, aproximá-lo da população e do mundo, com esse ingresso no mundo virtual”, pontua Daniel Araujo.
A previsão de reabertura do Theatro é para junho deste ano. Se a pandemia permitir, serão 10 dias de comemorações, com concertos musicais e uma ampla programação. Caso as medidas de isolamento social persistam, a programação será de forma virtual.
Operário de sonhos
De forma presencial ou não, a reabertura do aniversariante Theatro da Paz é esperada com ansiedade pelo cenotécnico Ribamar Monteiro. É ele quem materializa os sonhos da produção ao montar os cenários para as grandiosas óperas. Com 44 anos de serviços prestados ao TP, Ribamar é o segundo servidor mais antigo do local. Começou como serviços gerais e dois anos depois, passava no concurso para a parte técnica. “Sou muito gratificado pelo que já fiz e ainda vou fazer. É uma glória trabalhar numa obra monumental como o Theatro da Paz. Me emocionei especialmente em óperas como Salomé e Navio Fantasma. Fiquei orgulhoso de mim mesmo”, disse Ribamar.
Assim como a Rosália, da obra fictícia de Dalcídio Jurandir, Ribamar faz do Theatro da Paz seu palco particular. Mas o orgulho de trabalhar no cenário monumental, com lustres de cristal, obras de arte e gradis revestidos com folhas de ouro, é real. Um aniversariante de 134 anos que não perde a majestade.
Texto: Syanne Neno