Madrugou. É hora de acordar, arrumar o café para os filhos e esposa e seguir para mais um dia de trabalho no Ver-o-Peso. Enquanto muitos ainda dormem, o dia de labuta já começou para Fernando Souza, de 49 anos. Peixeiro por vocação e amor, Fernando começou a trabalhar ainda bem novo nesta área, no tempo de “embrulhar o peixe na folha”, lembra sorridente o comerciante.
“Eu vinha pra cá trabalhar com um primo meu, que já trabalhava aqui vendendo peixe. Naquela época o peixe era enrolado na folha, então eu ajudava a enrolar e embalar, e, fui me aperfeiçoando”, comenta. “A nossa rotina começa muito cedo. 1h da manhã a gente tem que estar levantando, para estar aqui 1h30 no máximo e comprar nossa mercadoria, para então começar nossas atividades”, explica. “Recebemos aqui tanto turistas como moradores locais e donos de restaurantes”, completa.
Na próxima sexta-feira, 27, o local de trabalho de Fernando, o Complexo do Ver-o-Peso, completa 388 anos de construção. O espaço compreende uma área de 35 mil metros quadrados, ocupados por 1.588 permissionários, distribuídos na Feira do Ver-o-Peso; Mercado de Carne (Francisco Bolonha); Mercado de Peixe, Pedra do Peixe e Feira do Açaí.
Assim como Fernando, centenas de outros trabalhadores do Mercado do Ver-o-Peso chegam ainda pela madrugada no mercado, e, além do peixe, comercializam frutas, verduras. legumes, carne, mariscos, aves vivas, farinha, comidas regionais, ervas e cheiros diversos, tucupi, maniva, açaí, artesanato e importados. Um universo de cores, sabores, cheiros e significados, que são oferecidos de segunda a segunda, em um dos principais bairros da capital.
Vendedor e artesão, Tomás Soares dos Santos, de 54 anos trabalha há cerca de três décadas no mercado. Ao lado dos filhos, ele retira das vendas do artesanato o sustento de toda família. “Passo mais tempo no Ver-o-Peso do que em casa. Minha renda familiar é resultado das vendas realizadas aqui na feira, as quais permitem que pague os fornecedores, a energia da barraca e as despesas de casa”, pontua o artesão. “O Ver-o-Peso, na verdade, é tudo para nós. A feira é nosso ganha pão, nosso lazer, nosso trabalho. Quem trabalha no Ver-o-Peso, deve e tem que cuidar bem dele para preservar este patrimônio que é nosso e será da próxima geração de cada um”, fala emocionado Tomás.
Na hora de atender um “gringo”, seu Tomás faz até mimica para não perder o cliente. “Quando chega um turista estrangeiro aqui, usamos de gestos e até mímica para tentar uma comunicação. Algumas palavras a gente até aprende com o tempo de trabalho. Eu já consigo, em inglês, dizer o preço de algumas mercadorias”, conta todo orgulhoso. “Fazemos também, antes da venda, o cálculo do dólar, pois temos que saber quanto ele está custando no dia para poder aceitar o dinheiro”, enfatiza o artesão, que conta ainda com máquinas de cartão de crédito para facilitar o pagamento.
Estima-se que cerca de 8 mil pessoas entre belemenses e turistas passem todos os dias no espaço. Este número chega a triplicar em épocas específicas, como em outubro, no Círio de Nossa Senhora de Nazaré, e, em dezembro, nas comemorações de final de ano.
Histórico
Criado com objetivos fiscais, a área foi inserida na economia formal logo após a fundação de Belém, em 1616, passando a ser conhecida como o “lugar de ver o peso”, devido à sua situação estratégica no porto. Segundo o Levantamento Preliminar do Inventário de Referências Culturais do Conjunto Ver-o-Peso (INRC Ver-o-Peso), divulgado pelo Iphan em 2010, no decorrer do século 18 a feira presenciou aos principais eventos e acompanhou as mudanças urbanísticas que Belém sofria.
No Ciclo da Borracha, entre o final do século XIX e começo do século XX, a cidade de Belém teve grande importância comercial, principalmente para o cenário internacional. Neste período, também há mudanças urbanísticas. Importantes edificações foram erguidas, entre as quais, o Palácio Lauro Sodré, o Teatro da Paz, o Palácio Antônio Lemos e o Mercado Ver-o-Peso.
A construção do Mercado de Ferro, como inicialmente era conhecido o Mercado Ver-o-Peso, foi autorizada pela lei municipal nº 173, de 30 de dezembro de 1897, e sua edificação, com o projeto de Henrique La Rocque, teve início no ano de 1899. Toda a estrutura de ferro do Mercado foi trazida da Europa seguindo a tendência francesa de art nouveau da belle époque.
Dados
Açaí: O Ver-o-Peso é o maior entreposto de pescado e de açaí do Estado. A Feira do Açaí recebe o maior volume do fruto – em torno de 100 mil quilos in natura são comercializados por dia no local (sendo que este valor diário chega a dobrar no período da safra). Grande parte vem da região ribeirinha e do arquipélago do Marajó.
Pescado: Em média, 80 toneladas de diversos tipos de pescado desembarcam, por dia, na Pedra do Peixe. O local é o maior entreposto de pescado fluvial e marítimo da região Norte e está entre os mais movimentados do país. O peixe vendido na Pedra é oriundo principalmente da região do Baixo Amazonas, da área costeira paraense e do Marajó.
Erveiras: Mandingas, encantarias e remédios para todos os males fazem parte da maior feira-livre da América Latina. As erveiras são mulheres que comercializam produtos a partir da mistura de ervas e perfumes. Para as erveiras, qualquer problema tem solução. Elas dizem que os preparos podem resolver vários problemas como traição, solidão, atrair bons negócios e amor, espantar mau olhado e curar doenças.
Obras
Na última segunda-feira, 23, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) entregou a última etapa do Mercado de Ferro do Ver-o-Peso. O trabalho, que contou com apoio da Prefeitura de Belém, beneficiou 62 peixeiros, 10 vendedores de caranguejo e 7 vendedores de camarão que atuam no espaço, além dos lojistas que trabalham nas áreas interna e externa.
Com a entrega do Mercado de Ferro o próximo passo da Prefeitura é a recuperação total do Complexo do Ver-o-Peso. No próximo dia 10 de abril, a empresa contratada pelo município deve entregar o projeto executivo da obra para início das licitações. A previsão é de que a reforma comece ainda este ano.
Horário de Funcionamento: A feira do Ver-o-Peso funciona 24 horas por dia. O Mercado de Peixe tem horário diferenciado, das 06h às12h. Já na Pedra do Peixe, o atendimento começa às 00h e segue até 6h.
Festa
Para celebrar os 388 anos do Ver-o-Peso a Prefeitura de Belém, através de diversas secretarias e órgãos municipais, preparou uma extensa programação para celebrar a data. Serão três dias de festa que vão contar com o tradicional corte de bolo, que neste ano será produzido pela Panificadora Fortaleza Humaitá. A torta terá oito metros, com recheio de cupuaçu e doce de leite e cobertura de chantilly e coco.
A Secretaria Municipal de Esporte, Juventude e Lazer (Sejel) organiza, ainda, a sexta edição dos Jogos do Vero-Peso. Brincadeira criada para homenagear o ponto turístico e reunir os principais personagens desta história.
Durante a programação do aniversário do Ver-o-Peso será intensificada as ações de fiscalização de trânsito e transporte que já são realizadas diariamente na área. Agentes educadores da SeMOB estarão auxiliando pedestres na travessia da faixa, que fica em frente ao mercado. Agentes de transporte estarão orientando os motoristas de ônibus e os passageiros para os locais corretos de embarque e desembarque, além de fiscalizar e intensificar a coibição de estacionamento no lado direito da via, que é terminantemente proibido.
Além disso o programa Semob na Comunidade estará no mercado levando serviços de emissão do cartão Passe Fácil Estudantil, Passe Fácil Sênior, Passe Fácil Especial e credenciamento para estacionamento preferencial para idosos e deficientes.
Texto: Adriana Pereira